segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Os cheiros de dezembro














Foi tanto o amor que nos deu nesta vida
Que nem cabe em nós, de tanto, de tanto
Sua presença que ora volta, ora silencia
A socorrer nossos jardins
Judiados pelas secas e pelos maltratos
Que trazemos dentro de nós

Já vemos que o tempo,
Que nos afastou, nos aproxima
Reconforta as dores
Acumuladas nesta vida
Por saber que ao final desta lida
Estará a nos esperar em vigília

Pela estrada de terra batida
Por sobre a ponte de madeiras partidas
Nos aromas do capim e das flores
À vista dos pés carregados de laranjas
Seremos, outra vez, crianças
Segurando sua mão na hora da partida


Para minha avó Cecília, dos seus primeiros netos

Marcelo Augusto Vieira Graglia

São Paulo, 11 de dezembro de 2017

terça-feira, 20 de junho de 2017

A Serpente















Minha senhora, há muito tempo não nos víamos
Derrotados, cabisbaixos
Oblíquos, esdrúxulos, desgarrados
Implorando misérias, favores e concessões

Eles se refastelam com o banquete de enganos
Se aprazem com o conjunto disperso de informações
A esperança tornou-se rara especiaria
Luz fugidia num céu de nuvens

Pelos vitrais de nossas catedrais
Imagens antigas, impávidas, inexpressivas
Testemunham a nossa decadência
O leite derramado

Haveria uma passagem subterrânea
Um graal escondido nos porões?
Não, seus soldados estão dispersos
Seus exércitos, desmobilizados

A covardia é irmã do medo
Parida no meio do povo por uma serpente
Que se esgueirou pelos becos e pelos bairros
Pela boca dos que maldisseram seus reis

Seu castelo está cercado, senhora
Os campos secos, a colheita perdida
A esperança tornou-se rara especiaria
Luz fugidia num céu de nuvens

Marcelo Vieira Graglia
São Paulo, 5.7.17

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Painas















Não te sabias criança ou adulto
Já que eras tão jovem quando sonhaste
Aquele sonho confuso, instigante
O campo, pela janela
Uma vista ou uma ilusão
De sonhar acordado
Ou acordar sonhando ainda
Jagunço e os coelhos
Era sonho?
O alpendre e o baú fechado
Sonho seria?
Uma cama de palha no quarto dos avós
De certo que existia
O lampião e o cheiro de querosene
Os grilos e os sons noturnos
Cercavam a casa como um feitiço
Que se desfazia ao amanhecer
Quando as frestas da porta
Se abriam para a passagem da luz
Flutuavam poeiras iluminadas
Carretéis de pipa
Tanques de areia
Um galinheiro tão grande como um bairro
Com uma praça ao centro
Um terraço frequentado pelas aves do lugar
Na cozinha a lembrança do frio matinal
O acordar cedo, na aurora recém saída da noite
Um mingau amarelo forte, de cor e de quente
E um copo  comprido com um dedo de açúcar
Vazio ainda, para levar na viagem
Ao curral encantado, prometido
Tu lembras da porteira?
A primeira fronteira, lembras ainda?
O declive em curva antes da estrada reta, pequena
A mão amiga tão saudosa e quieta
As plantas-que-dormem às margens do caminho
O pequeno córrego de água
Como pode haver peixes por ali?
Tu lembras de pensar
Enquanto atiras as pequenas bolinhas feitas de miolo de pão
É parada rasteira
Já se aproximam daquele destino
Tão pequeno, rude e bonito
Há um campo de painas sobre a lama do chão
Onde se ergue a imensa árvore
Cuidadora daquilo tudo
Zeladora daqueles tempos e daqueles campos
O leite morno enchendo o copo adoçado
A espuma quase a derramar

Marcelo Vieira Graglia
São Paulo, 5.7.17