Não te
sabias criança ou adulto
Já que
eras tão jovem quando sonhaste
Aquele sonho confuso, instigante
O campo, pela janela
Uma vista ou uma ilusão
De sonhar acordado
Ou
acordar sonhando ainda
Jagunço e
os coelhos
Era sonho?
O alpendre e o baú fechado
Sonho seria?
Uma cama de palha no quarto dos avós
De
certo que existia
O lampião e o
cheiro de querosene
Os grilos e os sons noturnos
Cercavam a casa como um feitiço
Que se desfazia ao amanhecer
Quando as frestas da porta
Se
abriam para a passagem da luz
Flutuavam poeiras iluminadas
Carretéis de
pipa
Tanques de areia
Um galinheiro tão grande como um bairro
Com uma praça ao centro
Um
terraço frequentado pelas aves do lugar
Na cozinha a lembrança do frio matinal
O acordar cedo, na aurora recém saída da noite
Um mingau amarelo forte, de cor e de
quente
E um copo comprido com um dedo
de açúcar
Vazio ainda, para levar na viagem
Ao
curral encantado, prometido
Tu lembras da porteira?
A primeira fronteira, lembras ainda?
O declive em curva antes da estrada
reta, pequena
A mão
amiga tão saudosa e quieta
As plantas-que-dormem às margens do caminho
O
pequeno córrego de água
Como pode haver peixes por ali?
Tu lembras de pensar
Enquanto atiras as pequenas bolinhas
feitas de miolo de pão
É parada rasteira
Já se aproximam
daquele destino
Tão pequeno, rude e bonito
Há um
campo de painas sobre a lama do chão
Onde se ergue a imensa árvore
Cuidadora daquilo tudo
Zeladora daqueles tempos e daqueles
campos
O leite morno enchendo o copo adoçado
A espuma quase a derramar
Marcelo Vieira Graglia
São Paulo, 5.7.17