quarta-feira, 10 de maio de 2017

Painas















Não te sabias criança ou adulto
Já que eras tão jovem quando sonhaste
Aquele sonho confuso, instigante
O campo, pela janela
Uma vista ou uma ilusão
De sonhar acordado
Ou acordar sonhando ainda
Jagunço e os coelhos
Era sonho?
O alpendre e o baú fechado
Sonho seria?
Uma cama de palha no quarto dos avós
De certo que existia
O lampião e o cheiro de querosene
Os grilos e os sons noturnos
Cercavam a casa como um feitiço
Que se desfazia ao amanhecer
Quando as frestas da porta
Se abriam para a passagem da luz
Flutuavam poeiras iluminadas
Carretéis de pipa
Tanques de areia
Um galinheiro tão grande como um bairro
Com uma praça ao centro
Um terraço frequentado pelas aves do lugar
Na cozinha a lembrança do frio matinal
O acordar cedo, na aurora recém saída da noite
Um mingau amarelo forte, de cor e de quente
E um copo  comprido com um dedo de açúcar
Vazio ainda, para levar na viagem
Ao curral encantado, prometido
Tu lembras da porteira?
A primeira fronteira, lembras ainda?
O declive em curva antes da estrada reta, pequena
A mão amiga tão saudosa e quieta
As plantas-que-dormem às margens do caminho
O pequeno córrego de água
Como pode haver peixes por ali?
Tu lembras de pensar
Enquanto atiras as pequenas bolinhas feitas de miolo de pão
É parada rasteira
Já se aproximam daquele destino
Tão pequeno, rude e bonito
Há um campo de painas sobre a lama do chão
Onde se ergue a imensa árvore
Cuidadora daquilo tudo
Zeladora daqueles tempos e daqueles campos
O leite morno enchendo o copo adoçado
A espuma quase a derramar

Marcelo Vieira Graglia
São Paulo, 5.7.17