No dia combinado ele chegou mais cedo
E escolheu um lugar numa mesa de canto, ao lado de uma janela
As paredes de um marrom escuro
O céu cinza lá fora
Pediu uma água e um café
Para contrapor o frio na barriga
Esperava ansioso contando os minutos do seu atraso
Para cada um que entrava um sobressalto
Vasculhou cada parede, o teto, as xícaras, o balcão, as trincas, a decoração, o piso, os atendentes
Um café em algum fim de mundo
Como um cenário de filme
Olhou o relógio mais uma vez
A ansiedade transbordando pelas bordas da mesa
De repente, algum movimento rompeu a cena
Ela entreparada ao cruzar a porta de entrada
Seus olhos o procuravam
Seus olhos se entrecruzaram
Pode ver o sorriso se desenhando no rosto dela, algo tímido
Imaginou sua própria cara de bobo
Sem qualquer possibilidade de disfarçar seu deslumbre
Pela primeira vez a via em carne e osso
E estava embasbacado
Notava as diferenças entre a mulher real e a que via nas imagens
E elas o fizeram mais encantado do que já era
E mais do que imaginava possível ser
A esta altura já caminhava em sua direção, deslumbrante e decidida
Como no poema ela desceu lentamente e gloriosa as escadarias da sua fantasia
E seus pés tocaram o seu mundo
Sua deusa se apresentava despida de sua armadura e desarmada
Quando se aproximou revelou sua própria ansiedade
Ele lhe adivinhou a trajetória
E posicionou seu dedo a frente dos próprios lábios
Como quem pede silêncio
A mulher do fim do mundo compreendeu o gesto e parou quieta a sua frente
Suficientemente próxima para que a ele não restasse qualquer chance de fuga
Uma pequena eternidade se passou
Até que ele delicadamente estendeu sua mão esquerda
E com as costas do seu dedo indicador acariciou lentamente e suavemente o lado esquerdo do seu rosto
De cima para baixo e vice versa
Ela sentindo um leve arrepio à medida que a concretude do toque estimulava sua pele
Usando a outra mão ele fez o mesmo com a face direita do seu rosto
E já não havia neles qualquer sinal de pressa ou de ansiedade
Ele degustava aquele momento como se o quisesse capturar para sempre
Já ela desejava que ele não mais parasse e que o resto do mundo não o interrompesse
O homem mudou seu foco e começou a tocar suas sobrancelhas com a face do seu polegar esquerdo
Muito vagarosamente as penteava do centro para fora lhe adivinhando os pelos
Ela cerrou os olhos para sorver aquele toque até que sentiu que ele seguia o contorno do seu maxilar
Parecia escanear sua biometria, registrar suas medidas, sua proporção áurea
Tocou o seu nariz e fez o mesmo, o acariciou e o amou
Finalmente, seu dedo buscou a região acima do lábio superior
Um arrepio desceu pela sua nuca
Ele contornou a linha da boca até chegar abaixo dela
Discretamente tocou a pele delicada do seu lábio inferior quase como sem querer
Ela reagiu entreabrindo os lábios como se o chamasse e os oferecesse
Num instante suas bocas estavam coladas e se devoravam
Bebiam um do outro e consumavam seu encontro há muito anunciado
Pela janela o céu cinza
O vento que soprava lá fora os lembrava que o amanhã ainda precisava nascer