quarta-feira, 5 de abril de 2023

A rede

A rede se prendia a ganchos amarrados na estrutura de madeira do telhado

Acomodou-se nela sentindo que agora flutuava

A rede como um barco mole sobre águas

Que se moldava sem afundar


Seu corpo livre de quase todo o peso

Sentia-se ao mesmo tempo leve e relaxado

A chuva tamborilava aqui e escorria acolá

Numa espécie de sinfonia hipnótica


Aos poucos desprendia-se de tudo o que o levara até ali

As ansiedades, as materialidades, as vissitudes, os devaneios, a alienação cotidiana

Devagar imergia e se amalgamava àquelas matas, àqueles morros, àquelas terras

Como se a tampa de uma pia gigante, que removida, criasse um vórtice que o sugasse de volta


Um ralo que o puxava para dentro dele mesmo

Sugando suas memórias, suas dores, seus sonhos e seu cansaço

Voltava, assim, ao seu avesso, ao seu anverso, ao útero de si, à sua própria gênese

Para quem sabe beber um pouco do seu começo

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